No dia 31 de janeiro deste ano – em Assembleia anual – os Frades Dominicanos no Brasil (Ordem dos Pregadores – Província Frei Bartolomeu de las Casas) divulgaram a Mensagem: “É assassino quem tira a vida dos pobres” (Eclo 34, 21-22).
Diante da realidade sócio-econômico-político-ecológico-cultural do Brasil hoje, os Frades Dominicanos, comprometidos com a Verdade, tomam conjuntamente uma posição profética, colocando-se clara e destemidamente do lado dos pobres – excluídos e descartados – em sua defesa.
A Mensagem começa dizendo: “Hoje no Brasil, os Direitos Humanos vêm sendo violados, não como exceção, mas como rotina. Povos indígenas são ameaçados em seus direitos e seus territórios: várias lideranças indígenas foram assassinadas nos últimos meses, como os guajajaras Paulo, Firmino e Raimundo, no Maranhão. A Amazônia sofre violência, queimadas e devastação por mineradoras, garimpeiros, madeireiros e latifundiários. Neste chão, hoje entregue à ganância dos poderosos, posseiros e sem-terra, lideranças populares e defensores de direitos são equiparados a delinquentes e vilipendiados por um Estado que abriu mão de suas responsabilidades na efetivação das reformas agrária e urbana, e de políticas sociais inclusivas”.
Continua afirmando: “Enquanto isso, permanecem impunes ecocídios mortíferos como em Mariana e Brumadinho, a reforma trabalhista estanca as possibilidades de se exigir condições dignas de trabalho, ao desarticular a legislação e dificultar o acesso à Justiça. Abre-se cada vez mais espaço para o trabalho precarizado, o desemprego e subemprego, e até a tolerância para o trabalho escravo”.
Denuncia com firmeza: “Movidos por nefasta ideologia ultraliberal, os poderes públicos se omitem, entregando os indefesos à sua sorte e deixando os poderosos aos seus lucros. A cada minuto quatro mulheres em nosso país são agredidas. A esperança de vida para transexuais no Brasil não ultrapassa 35 anos. Mais de 100 mil pessoas vivem ao relento, pois se encontram em situação de rua. Metade da população brasileira não dispõe de saneamento, sendo exposta a muitas enfermidades, enquanto o sistema público de saúde se encontra sucateado. Crianças, jovens, adultos são mortos por balas ‘perdidas’”.
E ainda: “Embora mais da metade da população brasileira seja formada por negros e pardos, fazendo de nosso país a segunda nação com maior contingente de negros do mundo, aqui esses nossos irmãos e irmãs – mais de 130 anos após a abolição da escravatura – sofrem preconceitos e discriminações em dose dupla: por serem negros e pobres”.
Lembrando que “são muitas as pessoas caídas à beira da estrada”, a Mensagem nos desafia a todos e todas. “Como na parábola do ‘bom samaritano’ (Lc 10, 30-37), cada um de nós é desafiado a abrir o olho e tomar atitudes”.
Levanta, pois, alguns questionamentos, que nos tocam profundamente: “Nós mesmos, como reagimos? Com aquela indiferença denunciada pelo Papa Francisco? Ou com aquela agressividade – para não dizer ódio – de quem destrata Direitos Humanos como ‘coisa de bandido’? Estaríamos dispostos a interromper a nossa rotina, desviar nosso caminho e nos colocarmos a serviço das vítimas de tantas injustiças? Afinal, a quem pretendemos ‘salvar’: a nós mesmos ou àqueles e àquelas que têm sido violentados, despejados, e assassinados, muitas vezes a mando ou com a anuência do Estado e do poder econômico, seu aliado?”.
E conclui reafirmando o compromisso, uma verdadeira missão dos Frades Dominicanos: “O compromisso com a defesa da vida e da promoção dos Direitos Humanos é prioridade para nós Frades Dominicanos no Brasil, consoante com nossas Constituições e as decisões dos nossos Capítulos, e coerente com o exemplo do padroeiro que identifica nossa Província: Frei Bartolomeu de las Casas. Como ele, levamos a sério essa advertência bíblica: ‘Quem tira a vida dos pobres é assassino. Mata o próximo quem lhe tira seus meios de vida, e derrama sangue quem priva o operário de seu salário’ (Eclo 34, 21-22)”.
Por fim, reafirma: “Discípulos de Jesus, a exemplo dos discípulos de Emaús, não queremos nos deixar abater e não pretendemos caminhar sozinhos. Daqui, de nossa Assembleia anual, impelidos pela urgência frente a tantas violações do direito, da dignidade e da justiça, lançamos um apelo a todas as pessoas de boa vontade: é hora de assumir destemidamente nosso compromisso com a defesa intransigente da vida, da diversidade e do planeta, nossa Casa Comum. Discípulos de um profeta assassinado, porém ressuscitado, proclamamos nossa fé na promessa de uma terra sem males e reafirmamos nosso compromisso de colocar nossa vida religiosa consagrada a serviço do Reino por Ele inaugurado”.
Como Frades Dominicanos, cuja utopia é o seguimento radical de Jesus de Nazaré – o maior revolucionário – nas pegadas de São Domingos, temos o direito de sonhar. Ah, se toda a Igreja no Brasil assumisse – sem medo e sem ambiguidade – a posição profética dessa Mensagem, que é uma exigência do Evangelho! Com certeza, o Brasil seria outro!
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 11 de fevereiro de 2020.
Eis a mensagem.
Hoje no Brasil, os Direitos Humanos vêm sendo violados, não como exceção, mas como rotina. Povos indígenas são ameaçados em seus direitos e seus territórios: várias lideranças indígenas foram assassinadas nos últimos meses, como os guajajaras Paulo, Firmino e Raimundo, no Maranhão. A Amazônia sofre violência, queimadas e devastação por mineradoras, garimpeiros, madeireiros e latifundiários. Neste chão, hoje entregue à ganância dos poderosos, posseiros e sem-terra, lideranças populares e defensores de direitos são equiparados a delinquentes e vilipendiados por um Estado que abriu mão de suas responsabilidades na efetivação das reformas agrária e urbana, e de políticas sociais inclusivas.
Enquanto isso, permanecem impunes ecocídios mortíferos como em Mariana e Brumadinho, a reforma trabalhista estanca as possibilidades de se exigir condições dignas de trabalho, ao desarticular a legislação e dificultar o acesso à Justiça. Abre-se cada vez mais espaço para o trabalho precarizado, o desemprego e subemprego, e até a tolerância para o trabalho escravo. Movidos por nefasta ideologia ultraliberal, os poderes públicos se omitem, entregando os indefesos à sua sorte e deixando os poderosos aos seus lucros. A cada minuto quatro mulheres em nosso país são agredidas. A esperança de vida para transexuais no Brasil não ultrapassa 35 anos. Mais de 100 mil pessoas vivem ao relento, pois se encontram em situação de rua. Metade da população brasileira não dispõe de saneamento, sendo exposta a muitas enfermidades, enquanto o sistema público de saúde se encontra sucateado. Crianças, jovens, adultos são mortos por balas “perdidas”.
Embora mais da metade da população brasileira seja formada por negros e pardos, fazendo de nosso país a segunda nação com maior contingente de negros do mundo, aqui esses nossos irmãos e irmãs – mais de 130 anos após a abolição da escravatura –, sofrem preconceitos e discriminações em dose dupla: por serem negros e pobres. São muitas as pessoas caídas à beira da estrada. Como na parábola do “bom samaritano” (Lc 10, 30-37), cada um de nós é desafiado a abrir o olho e tomar atitudes. Nós mesmos, como reagimos? Com aquela indiferença denunciada pelo Papa Francisco? Ou com aquela agressividade – para não dizer ódio – de quem destrata Direitos Humanos como “coisa de bandido”? Estaríamos dispostos a interromper a nossa rotina, desviar nosso caminho e nos colocarmos a serviço das vítimas de tantas injustiças? Afinal, a quem pretendemos “salvar”: a nós mesmos ou àqueles e àquelas que têm sido violentados, despejados, e assassinados, muitas vezes a mando ou com a anuência do Estado e do poder econômico, seu aliado?
O compromisso com a defesa da vida e da promoção dos Direitos Humanos é prioridade para nós Frades Dominicanos no Brasil, consoante com nossas Constituições e as decisões dos nossos Capítulos, e coerente com o exemplo do padroeiro que identifica nossa Província: Frei Bartolomeu de las Casas. Como ele, levamos a sério essa advertência bíblica: “Quem tira a vida dos pobres é assassino. Mata o próximo quem lhe tira seus meios de vida, e derrama sangue quem priva o operário de seu salário”. (Eclo 34, 21-22)
Discípulos de Jesus, a exemplo dos discípulos de Emaús, não queremos nos deixar abater e não pretendemos caminhar sozinhos. Daqui, de nossa Assembleia anual, impelidos pela urgência frente a tantas violações do direito, da dignidade e da justiça, lançamos um apelo a todas as pessoas de boa vontade: é hora de assumir destemidamente nosso compromisso com a defesa intransigente da vida, da diversidade e do planeta, nossa Casa Comum. Discípulos de um profeta assassinado, porém ressuscitado, proclamamos nossa fé na promessa de uma terra sem males e reafirmamos nosso compromisso de colocar nossa vida religiosa consagrada a serviço do Reino por Ele inaugurado.
São Paulo, 31 de janeiro de 2020.